sábado, 23 de maio de 2015

A MORDAÇA



Uma singela e sentida homenagem aos cobardes que vão enegrecendo os dias. Aos miseráveis sem carácter e sem vergonha que tomados pelo medo há muito venderam a alma ao diabo, às lesmas e às enguias desta vida, dispostas e disponíveis para a traição e, sempre nojentas, vão destilando o ranho com que tornam escorregadios os caminhos que percorremos.
 
Foto: Luís Sérgio
Mural numa escola da linha de  Sintra

 
A mordaça
 
 

A mordaça doutros tempos voltou
Dizes que és outro, do mesmo, do tempo que não passou.
Não te reconheço.
Porque será diferente o tempo que voltou.
Ah, não é o mesmo tempo.
Talvez não, talvez não,
E tu o outro que é o mesmo em  tudo o que sonhou
Reconheces a mordaça, é outra?!
Ou a mesma que voltou.
Perigosos andam os tempos
Perdidas estão as mentes
Que a vida obnubilou.
Perdido vagueias nos dias
Nos dias perdidos em que o sol te deixou.
Insistes na perdição de um lugar comum.
E o medo, o medo voltou,
Insígnia incomum
vives amordaçado
jazes prostrado
Sobrevives pequeno.
A mordaça, sempre e sempre a tua mente, a tua pequenez vil e traidora.
Mas eu não posso, não sou e não estou.
Soterrado nos escombros da montanha dos teus medos preferes a mordaça.
Não sabes, não crês que o Homem pode mudar.
Deixa estar, o que é que posso fazer.
Não há saídas. Proferes na ignomínia dos teus medos.
Se há sonhos, são para os outros.
Tu és a mordaça.
O medo empedernido
O medo que contigo voltou,
subjuga-te e impede-te de ser
Velha carcaça,
Acorda.
Olha o sol que voltou.
Ah, os tempos,
A vida pequenina e escrava de verme.
O lugar comum continua um sítio perigoso,
Para se estar
E tu nele e só nele te revelas infeliz e medíocre.
Desaparece,
Morre de vez,
Mas, cuidado
Muito cuidado
não vás falecer de mansinho.
Morre como se tivesses pressa de viver.
Acaba como se estivesses para nascer.
Grita,
Revolta-te,
Deixa a máscara.
Por uma vez,
Sim, por uma vez,
Ousa estar
Experimenta ser outro noutro tempo
Deixa a mordaça
escolhe outro lugar.
O sol voltou,
o rio corre solto
as águas escolhem outro caminho,
vão bravas, desbravam
novos lugares.
E tu,
Será que vida em ti se soltou.
 

Luís Sérgio