Um dia na escola.
Uma espécie
de diário.
Numa
primeira aula do ano lectivo anterior.
O despertador tocou, - “bolas, que bem que dormia.“ Recomeça a escola,
férias, como adoro as férias! Pensei. Quem me dera fazer o que quero. Será
possível, algum dia será possível? Acredito que sim, afinal, nascemos para a
VIDA, para SER, nascemos para VIVER, “Nasci para Nascer”, como escreveu o
Neruda, o Pablo. Nascemos para uma vida de qualidade e com sonhos a concretizar,
assim o queiramos. Regresso à
escola, a um lugar onde fomos felizes, onde fui feliz. Como dizia,
recentemente, um amigo e colega: “O ensino, a educação perdeu o encanto, foi-se
a vontade de fazer mais e melhor, hoje, cumpre-se, piamente, a expiação de um
pecado que não cometemos.” Há culpados, de certeza. Não somos nós, professores
e alunos, não somos nós o coração da escola. Existe em Portugal uma periferia
medíocre que, no afã de copiar a Europa, vai destruindo a vida dos homens e
mulheres que trabalham na escola e não só. No sonho de
uma eterna juventude jurei que seria feliz onde quer que estivesse, por isso,
juro, juro-vos, que voltarei a ser feliz na escola, espaço outrora de amizade e
são companheirismo. Hoje, resvalou para o lodaçal da escravatura, da
desconfiança, da autocracia, da bufaria e do medo proclamado e instalado. Mas,
não deixarei que me roubem o futuro, não permitirei que o dinheiro de uns
quantos vilãos e trapaceiros desmiolados me deixem, nos deixem, sem valores e
sem atitudes.A “minha” escola não é um quartel, não é um conglomerado de
caixotes para formatação de mão-de-obra dócil, escrava e sem horizontes. A
“minha” escola, a nossa escola, é um espaço de transformação, não de
conformação, a “minha” escola prepara para a vida num humanismo do ser em
devir. Na “minha” escola há homens e mulheres com todo o direito e em toda a
plenitude. Há homens com futuro, sim! Há futuro se o agarrarmos com ambas as
mãos e o moldarmos e, por ele, ousarmos trepar a íngreme montanha da vida.
Uma aula que começa, “caixote 28”, barulho de comboios, linha
do comboio a escassos metros, barreiras de som não há, infernal barulheira do
exterior, do pseudo pátio, uma espécie de sala, numa espécie de escola. Hoje
quero falar-lhes do silêncio, do seu valor e importância na aprendizagem e
comunicação. Calor, muito calor, eles e eu a torrar a aguentar no estorricado
caixote. Olho-os (os alunos) bem nos olhos, pergunto, quero saber mais, quero
ver para lá do que vejo. Há olhos que me buscam, procuram a felicidade,
demandam o futuro, espreitam-me. - Marca muitos trabalhos de casa? Não respondo
logo, demoro a resposta. Que espero deles? Vejo-os. Olho-os mais uma vez, uma
vez e outra. Lá fora, enorme bagunça, outro comboio. Maldito avião, digo em voz
alta. Um coro, espanto, admiração, “Um avião professor?!”- Um avião, mas alguém
duvida! De novo o silêncio. Continuamos. Ouve-se o som da campainha, mas o que
temos que ouvir é o silêncio. Pensamentos mais pensamentos, ainda não terminei.
Ninguém sai. Juro que seremos felizes, assim o quero, assim o queremos.
Setembro de 2011.