Maus tratos/
Violência ( Bullying)na Escola – Uma questão de organização.
A violência
do que não vejo. O que quero ver e alguns escondem.
“ Se o homem não
for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades
de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta?
Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegamos
a isso, não somos seres humanos. (…) Vivemos ao lado de tudo o que é negativo
como se não tivesse qualquer importância, a banalização do horror, a
banalização da violência, da morte, sobretudo se for a morte dos outros, claro.
Tanto nos faz que esteja a morrer gente em Sarajevo, e também não devemos falar
desta cidade, porque o mundo é um imenso Sarajevo. E enquanto a consciência das
pessoas não despertar isto continuará igual. Porque muito do que se faz, faz-se
para nos manter a todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir a
nossa capacidade de intervenção cívica.”
José
Saramago. A semente e os frutos.
Canarias 7,
las Palmas, 20 de Fevereiro de 1994 (Entrevista de Esperanza Pamplona)
Deixando para os técnico e ilustres
conferencistas aspectos mais técnicos e abordagens mais específicas da
problemática, a minha intervenção centrar-se-á, sobretudo, nos aspectos
organizativos da escola e sobre aquilo que se faz ou não nas escolas para
combater o problema.
Desde já,
quero dizer-vos que não gosto da palavra “Bullying”, vejam bem, nem da palavra
gosto, irrita-me solenemente, a submissão, a ignorância como muitos estrangeirismos
entram na língua portuguesa. Nós já tínhamos os
maus tratos, a violência, sobre o outro, outros, muito antes de os
Ingleses ou alemães, nos virem dar lições de bullying. Se ainda não se deram conta ficam já a saber que até na
língua há maus tratos e de que tamanho senhores ,são” tratos de polé”. Ainda há
bem pouco tempo uma economia mais forte , impôs à fraca economia de um país de
políticos medíocres um acordo ortográfico absolutamente desastroso. E a
sabedoria popular portuguesa, a mui rica sabedoria popular portuguesa, há muito
que respondia e apontava a estratégia para responder às agressões quer físicas
quer psicológicas, quem é que nunca ouviu a expressão:
“Não faças aos outros aquilo que não
queres que te façam a ti.”
Na verdade,
bastava-nos recorrer à sabedoria do povo português, chegava-nos
perceber e
ser capaz de transmitir às gerações mais
novas, toda a riqueza e todos os valores de justiça e de respeito pelo outro e
de humanismo que encerra a expressão citada. Mas ,por onde andam os valores,
será que estão na escola ? E fora dela ?
Voltaremos ao assunto, por agora, interessa antes de mais
definir o que entendo por “Maus tratos”, vá lá por hoje até aceito que lhe chamem
Bullying senão corremos o risco de não nos entendermos e não é isso que se pretende,
hoje, aqui e agora. Numa definição que não é a minha , mas da literatura
especializada sobre o tema, considera-se
que existe :
“ Bullying quando uma pessoa mais forte e mais poderosa
magoa ou assusta uma pessoa mais pequena ou mais fraca, deliberadamente (de
propósito)e de forma repetida (muitas vezes).”
Como se pode ver pela definição, esta forma de violência não
é património dos ingleses dos americanos ou dos alemães, se bem que sejam estes
últimos quem nos trata pior, isso “são contas de outro rosário”, ou se calhar
nem tanto. Na verdade, o problema é muito antigo, até há quem diga que, “ Tudo começou com o ciumento /invejoso Caim
quando assassinou o seu irmão Abel …ou desde que o primeiro homem das cavernas resolveu impor as suas decisões à mocada
dando com a clava na cabeça dos outros.”
(Reparem que ainda não falei das escolas, mas já me referi às cavernas, aos
homens das cavernas, portanto não ando longe, estamos perto, sem dúvida. Na verdade,
e cada vez mais as nossas crianças passam demasiado tempo nas escolas, a carga
horária a que estão sujeitas é uma violência, quase podemos afirmar que as
escolas estão organizadas para a violência, para os maus tratos, o resto vem
por “arrastão.”
Vamos então
às escolas :
Imitando o que se passa à sua volta e sendo os muros da
escola incapazes de suster os males
da sociedade, a escola é o lugar excelso e predilecto onde acontecem muitos dos
maus tratos e da violência sobre o outro, outros. Nem sempre acontece de uma
forma clara, a maior parte das vezes é muito subtil, escondido da vista do
adulto, nem sempre os sinais são evidentes e mesmo quando os sinais são claros
e perceptíveis há dificuldade em actuar.Nas nossas escolas, sobretudo nos recreios e espaços escolares impera cada vez mais a lei do mais forte, do rufia, do “gangster” que tudo e todos domina. Aparentemente, estamos longe das cavernas… mas, a verdade é que nas nossas escolas a confusão, a resolução de conflitos com violência e pela violência acentuam-se. Nos pátios de algumas escolas e nalgumas salas de aulas a forma mais comum de comunicação, de saudação são a batida e a agressão física ou psicológica. Na escola ainda não saímos da caverna. A luz está longe e as sombras do medo e da confusão ainda imperam.
Não pensem que estou a exagerar, a caricatura é aliás pequena para males tão grandes, pois se acham que exagero, vejam, pensem no que se transformaram as nossas escolas nos últimos tempos. Aliás quero pedir-vos desculpa pelo erro, para além das escolas que encerram, no discurso e terminologia oficial já não há escolas, agora temos “unidades organizacionais”. As escolas é certo morreram.
A organização é tudo, mas, sobretudo, a desorganização para
os maus tratos, para a violência, para o “Bullying.”
“ A água toma sempre a
forma do vaso.”
Provérbio
japonês
Na verdade,
segundo a abundante literatura da especialidade, os factores organizacionais da
escola e a cultura da escola, das escolas, poderão propiciar o desenvolvimento
de comportamentos de Bullying , De entre
os factores ambientais que facilitam/influenciam o desenvolvimento deste tipo de violência
destacam-se: “ A dimensão das escolas –
As escolas maiores referem a existência de uma maior percentagem de violência.
As
escolas que têm regras claras de conduta
referem menos violência
Número de alunos por turma – Há uma
relação directa entre um menor número de alunos por turma e uma menor violência
Práticas disciplinares justas e céleres
– As escolas em que os alunos classificam as práticas disciplinares de justas
referem menos violência.
Participação nos processos de tomada de
decisão – As escolas em que os responsáveis administrativos e pedagógicos,
especialmente, os responsáveis por manter a disciplina oferecem aos
professores, funcionários e alunos oportunidades de participação nos processos
de decisão apresentam menos violência.
A coesão entre o corpo docente – A
coesão entre o corpo de professores e os responsáveis pela manutenção da
disciplina na escola está relacionada com uma menor violência.
Controlo discente – As escolas onde os
alunos mencionam que sentem que controlam as suas vidas referem a existência de
menos violência.
Respeito pelos dirigentes escolares – As
escolas em que os responsáveis por manter a disciplina não são respeitados
pelos alunos referem mais violência.
Educação para os valores - As escolas
em que se trabalham os valores apresentam menos violência.
Educação para a não – violência - As
escolas em que se praticam formas alternativas e assertivas de gerir conflitos
referem menos violência.”
Acreditando nos especialistas e nos estudos, em Portugal,
está a fazer-se tudo ao contrário.
Escolas de dimensão Hipermercado, os mega agrupamentos que,
nalguns casos, atingem mais de 3500 alunos, diminuindo drasticamente o
número de professores e funcionários gerando mais confusão, menos
supervisão, mais violência e de certeza mais
Bullying e menos tempo e pessoas para o combater. Acentua-se a
desumanização de que falava o nosso Nobel.
Aumento exponencial do número de alunos por turma – Turmas
com trinta e mais alunos, dificultando o controlo da turma por parte dos
professor, mais indiferenciação.
Raras são as escolas em que
existe um plano claro e objetivo de combate à violência escolar, com regras
claras de conduta, capazes de prevenir o Bullying. Muitas vezes navega-se à
vista reagindo e não agindo.
O princípio
de uma justiça justa e rápida é posto em causa por procedimentos desajustados e
burocráticos que transformaram as escolas em tribunais e os professores em delegados do ministério
público. A teia burocrática e legalista (No pior sentido do termo) fomenta
a inércia e a impunidade vai fazendo lei. Muitos alunos saem da escola sem
conhecer os princípios da causa/ efeito.
O modelo de
Gestão Escolar que, lembremos vem dos tempos de Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues
(convém que não tenhamos memória curta) afastou a maior parte dos profissionais
de educação da tomada de decisões. Nas
escolas há hoje uma espécie de RDM em que se limita a dar ordens, tendo como
consequências, entre outras, menor participação, menos envolvimento, menos
discussão, menor respeito pelo outro, outros. Tudo anda à volta do medo e da
consequência. Perdeu-se a autenticidade, sobressai e predomina o desejo de
agradar e de obedecer a quem decide da vida de muitos.
Os professores, por força de um modelo de gestão que os
afastou da tomada de decisões e da participação democrática na vida das
escolas, muitas vezes, não reconhecem autoridade a quem trata e decide das
questões da violência em contexto escolar. A não escolha, a não participação
afectam a credibilidade e a capacidade de acção.
Acentua-se
diariamente a instabilidade pessoal e profissional nos professores, a
negatividade é o alimento quotidiano dos docentes e todos percebemos e sabemos
que quem não está bem, não consegue, não pode, prestar a melhor atenção aos
problemas dos outros, “bastam-lhes os seus”, como o diz o povo.
Uma escola
que hipervaloriza os exames e os “rankings” transformando o professor em
treinador de exames desvaloriza-o na sua função humana e educativa e por
coacções várias vai-lhe retirando a capacidade e o tempo que possa dedicar aos
outros, neste caso, a si próprio, à sua família, aos seus amigos e às pessoas
dos seus alunos.
A impunidade
é tal que, muitas vezes, os alunos já não acreditam nos dirigentes escolares
quando estes dizem que os vão sancionar ou punir, os mais velhos, ou os mais
inteligentes sabem que voltarão sempre ao local do crime como se nada tivesse
acontecido, sobrando para a escola e para os professores todo um trabalho de
“compensação” que os levará” pensar duas vezes”, antes de se decidirem por nova
punição.
Educação
para os valores e para a não- violência são coisas formalmente indesejáveis. Do
topo à base, nas escolas portuguesas, inclusive nas faculdades, o que se
fomenta, o que se programa nem que seja de forma oculta é a obediência cega, o
respeito pelos chefes, pelos mais fortes, maus e sem carácter, se não é assim,
porque perduram as praxes e as sevícias académicas. O que se faz na maior parte
delas e de conhecimento público, não é Bullying extremo?!
Infelizmente, os professores também são vítimas de maus
tratos, não só os que vêm directamente do ministérios, como ainda os provocados
por alunos e pais
“marginais”, agressivos e intimidatórios; dos colegas que gozam ,assediam e
intimidam reiteradamente os seus pares e , sobretudo, o abuso de poder
hierárquico.
Pois, se
como diz o provérbio, “ A água toma sempre a forma do vaso”, cuidado, muito
cuidado, com a água que cai nos vasos das nossas escolas. A trovoada
aproxima-se e, agora, que fazer?
Partir o vaso?
Mudar de vaso? Lançar uns pozinhos à água para evitar a contaminação?
Que fazer,
então ?!
Há muito para fazer a e a tarefa não
é nada fácil.
Em primeiro lugar, temos de partir o vaso,
mudar de vaso, necessitamos como disse recentemente numa conferência o professor José Pacheco –
Fundador da Escola da Ponte – : “ Rever o paradigma de escola, as escolas são
pessoas e as pessoas são valores”. A escola que temos é a escola da desumanização,
a escola da anarquia selectiva, a escola da não pessoa e do não professor, a
escola do vazio cultural e hedonista que nem ensina nem educa.
Professores,
funcionários das escolas, pais e alunos têm de se unir e lutar por uma Escola
Nova, uma Escola Pública Democrática assente numa concepção de humanidade e
justiça , em que liberdade implica para todos e cada um igualdade e reciprocidade. Urge construir uma
escola com seres capazes de agir e pensar
respeitando os outros e tudo e o todo que é de todos. Precisamos de abolir das nossas escolas o hedonismo do eu que se
sobrepõe a todos e tudo.
É um vasto e difícil programa, repito, mas, enquanto tal não
é possível, e sem perdermos de vista o que referi ainda agora, tendo em mãos um
problema grave, no imediato há que enfrentá-lo, por isso, deixo-vos com algumas
ideias que me parecem importantes:
- Alertar , sensibilizar todos,
evitar o silenciamento e negação do que nesta matéria se vai passando nas
escola ( e o que estamos a fazer hoje é muito importante pela diversidade de
pontos de vista e interesses envolvidos ).
- Envolver
professores, pais, funcionários, direcções das escolas, alunos e comunidades é fundamental para
exterminar o problema.
-
Ensinar /educar para os valores
-
Ensinar, educar e formar para a diferença.
- Ensinar/formar para a não violência e para a mediação de conflitos todos os que participam
na vida da escola.
-Ensinar e
formar para os uso correcto e responsável da internet e das redes sociais.
- Fazer
formação e aconselhamentos contínuos . Todos devem saber como identificar os
sinais de aviso e compreender os princípios que os sustentam.
- Acesso fácil aos técnicos e especialistas.
- Estar atento, muito atento e denunciar toda
e qualquer tentativa de maus tratos pedindo ajuda ou actuando se tal estiver ao
nosso alcance.
Bem sei, que ao nosso ministério da deseducação deveríamos
responder: “Olho por olho, dente por dente.” Mas, como hoje não vos quero falar
do agressor, prefiro terminar com optimismo. Com toda a razão, alguns afirmam
que um homem é sempre o homem e as suas
circunstâncias, então é preciso alterar humanamente as circunstâncias, para ser
verdade : Não fazer ao outro aquilo que não queremos que nos façam a nós !
Bibliografia de referência (lida ou consultada):
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Lisboa. Editorial presença.
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CAMPOS, Bártolo P. (1997). Educação e Desenvolvimento Pessoal e Social (2ª ed.). Edições
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FERNANDES, L. &
SEIXAS,S. (2012). Plano Bullying. Como apagar o bullying das
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FONSECA, M.F. (2000). Educar para a cidadania. Porto. Porto Editora.
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JESUS, S.N (1997). Influência do professor sobre os alunos. Porto. Porto Editora.
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Lisboa. Lisboa Editora.
SÉMELIN, Jacques (2002). A não-violência explicada às minhas filhas. Lisboa. Livros do
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VALENTE, Odete M. (1992). A Escola e a Educação Para os Valores (2ªed). Lisboa. Projecto
Educação Global. Dep. Educação da Fac. Ciências da U. Lisboa.
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