quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A minha maiêutica

Quando o vento é contrário e não nos deixa avançar na direcção certa, há que ter a cabeça liberta, o coração bem aberto e recorrer a todas as forças para navegar contra a corrente. Não é fácil, mas é absolutamente necessário.

M.Ángel S. Guerra

A minha maiêutica.

Voltámos à escola. Pois é, hoje, foi dia de voltar. Pelo caminho, armei-me em Sócrates (o bom, nada de confusões, se bem que um colega de filosofia me tenha ensinado que mesmo esse, o filósofo, não era lá grande coisa, mas de certeza terá sido melhor que o outro que nos atormenta), fui calmamente, o mais calmamente possível, vieram-me à cabeça algumas perguntas, quase existenciais, até algo filosóficas. E pensei no meu percurso e no de muitos colegas, perguntei a mim próprio, mas será que ainda temos Escola? Que Escola temos? Para onde caminho? Esta estrada terá saída? Lembrei-me dos muitos professores e alunos que literalmente já não têm sala de aula. A nossa escola, aquela onde sonhámos ENSINAR, a escola da CIÊNCIA, da CULTURA e do PROGRESSO, será que existe? A escola da cidadania e da aprendizagem democrática, onde está? A do respeito pelo outro, dos valores, da vida e da liberdade onde paira? O que é, afinal, e o que não é a escola socrática?

A Escola enquanto espaço de ensino, praticamente não existe, o que temos é um lugar de omissão, de faz de conta, um caixote de matérias desgarradas da vida, longe da vida e do verdadeiro ensino. Podemos falar em Escola Democrática, quando os “capatazes” (outros chamam-lhes fiés serventuários) correia de transmissão de Sócrates, dispõem de um poder abusivo que lhes permite assumir a autocracia persecutória? Podemos falar de Democracia em escolas onde impera o medo, onde se persegue por pensar diferente? Quem trava estes abusos, como se chegou aqui?

A escola pública portuguesa é já um negócio, a começar pelas ofensivas e abusivas campanhas de “Regresso às aulas” das grandes superfícies. Um negócio chorudo para Centros de Explicações, sobretudo ao nível do secundário. O que se prepara com a transformação dos pequenos e médios armazéns em Mega Armazéns, mais não é do que o preparar num curto, médio prazo, da entrega definitiva do que resta da educação, e digo educação, porque o ensino já morreu, aos privados. Os grandes caixotes ficarão ingovernáveis, darão prejuízos enormes e, por essa altura, só resta a qualquer um dos socranetes que nos governe: “ Em nome dos superiores interesses” da nação, em nome dos Interesses e da sobrevivência, entregar mais este mega negócio, a uma das megas empresas educativas, entretanto criadas por supremos e inspirados boys. Não, não pensem que estou a delirar, observem bem estas coisas, e, já agora, brevemente, entrarei na idade da filosofia, por isso, Como dizia, o A. Aleixo: “ não tenho vistas largas nem grande sabedoria, mas dão-me as horas amargas lições de filosofia.” Na vida, com o tempo, não se fica só mais velho! Digo eu.

E os valores, pois, caros colegas e amigos: Quais são os valores de um sucesso estatístico forjado; quais são os valores de uma avaliação do desempenho injusta, parcial e kafkiana, pensada para “cumprir”, nas palavras de José Gil: ”a racionalidade orçamental, desnortear, desanimar, dominar, humilhar, desprezar os professores, os alunos e a educação.”

- Haverá salvação?

- Isso da salvação deixo para os que acreditam no reino dos céus, por mim, penso que temos de continuar a resistir, opor à tirania a razão, lutar com lealdade, com verdade, com carácter e, antes de mais, sem medo. Sem medo, sim! Lembrem-se que o medo mata mais que a morte. Sem medo, venceremos!

Pretendia “falar” do papel dos sindicatos e dos movimentos independentes, neste ano crucial para a luta dos professores, mas, como este post já vai longo, deixo para próxima oportunidade. No meio de tantas interrogações uma certeza tenho, o Cavalo de Tróia espreita-nos e espera que nos conformemos ou adormeçamos para desfechar o golpe final. A História ensina-nos que em certos combates ou matamos ou morremos. Espero ver-vos felizes um dia. Contem comigo, não baixarei os braços!

BOM ANO!

8 comentários:

  1. Caro Luís Sérgio, excelente texto reflectivo acerca da educação. Vou levar o trecho inicial.
    Obrigado pela partilha.
    Abraço, RS.

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  2. Caro amigo Luís Sérgio, de facto o medo mata mais do que a própria morte, mas nós devemos é ter medo de termos medo!

    A tua maiêutica é excelente, porque se na vida não se fica só mais velho, muitas vezes fica-se mais experiente (ou mais cristalizado! - depende das opções) e mais sábio - ou mais filósofo, como acabas por afirmar.

    Já que filosofamos, deixo-te aqui uma citação que alguém me passou nos meus tempos de estudante:

    "A vida é uma soda" (Ass. Fócrates).

    Um abraço e, não te vou desejar um Bom Ano de trabalho, mas vou desejar-te um ano melhor do que aquele que terminou.

    Armando Inocentes

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  3. Caro Luís
    Partilho o que disse a Rosa... excelente reflexão.
    O meu desejo é que façamos nós a diferença... e quando digo nós, refiro-me aos que ainda não se resignaram.
    Um abraço e um excelente ano lectivo.

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  4. Caro Luís Sérgio !

    Mais uma excelente reflexão, sentida e verdadeira.
    Apesar de tudo, Bom Ano !

    Professora

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  5. Do Óscar Martins , via email :


    Caro Luís Sérgio,


    Gostei.

    E muitas das interrogações não me parece que tenham a resposta que gostaríamos.

    É verdade. Onde está a Escola ?


    Um abraço,
    Óscar

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  6. Sérgio !

    Mais uma maiêutica oportuna e bem elaborada. Concordo com o que dizes, infelizmente, é verdade.
    Por onde andam os dirigentes sindicais que não entendem que todo este sistema assenta na "omissão", e gestão Fascista das escolas. Que se está a pensar de sério para mudar.
    É verdade, não podemos baixar os braços.
    Obrigado pelo texto,
    GRANDE ABRAÇO;

    Filipe,

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  7. Caro colega e amigo , Luís Sérgio !

    Bom ano para ti e todos os colegas. Faço votos que seja um ano de luta, precisamos que os sindicatos acordem e que os movimentos independentes mostrem vida.
    Obrigado pelo texto e por este espaço de partilha.

    Pedro M.

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  8. Bastante bom texto que reflete de certeza a leitura que muitos professores fazem neste começo de vida lectiva, com tantos problemas por resolver e com a canga desta política reaccionária deste governo e ainda por cima com apoio de certos "professores"...

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