domingo, 2 de março de 2014

A Dívida e os Anjinhos Papudos


Troika’ só aprova saída do resgate
após cortes salariais permanentes.
Ultimato. Pressão da "Troika" aumenta brutalmente quando faltam duas avaliações para o final do programa. Reforma do Estado é para fazer através dos salários e pensões.

Diário de Notícias, 1 de Março de 2014

            Se dúvidas existiam sobre a natureza da dívida e sobre o que a troica, seus apaniguados e amanuenses do governo de traição nacional Passos/Portas entendem sobre a reforma do estado, esta manchete desfá-las. Como diz um velho amigo meu: “só os cegos, os mais que cegos, os anjinhos, os masoquistas e as almas penadas “, não querem ver o terrorismo que se abate diariamente sobre os trabalhadores da função pública e sobre os serviços ditos do estado.
Apesar de toda a demagogia, a reforma do estado de Portas e Passos mais não é do que a destruição de todos o serviços públicos, entregando-os na melhor oportunidade às empresas de amigos ou aos vorazes interesses das multinacionais. Reduzem-se os serviços, acabam-se mesmo e, assim, aparentemente, não dão mais despesa, não “obrigam”, dizem eles, a pagar impostos para os sustentar. Só que o cidadão, melhor dizendo, o “anjinho papudo” que foi aceitando tudo isto, um dia acorda e verifica que não tem serviços públicos que lhe valham ou, se existirem, indevidamente privatizados só o servem se puder pagar e muito. Celestialmente, abençoado, pela sua escravidão, se não morrer por falta de assistência, vai acabar inculto, sem educação, sem escolas para os filhos, mas, como verdadeiro anjinho papudo em que se transformou, apesar de tudo, vislumbrará divinamente a liberdade de escolher a escola para os filhos que não poderá pagar. Se for empreendedor e lhe restarem algumas forças, roto e esfarrapado, fará umas piruetas à porta da Sopa dos Pobres e quem sabe, por esmola europeia lhe darão uma sopa.
Ironias, humor, dirão alguns, mas o caso não é para rir, digo eu. Senão vejamos, quais as bases da reforma do estado que a troica impõe aos amanuenses e estes estão dispostos a aplicar:
- Cortes permanentes nos ordenados dos funcionários públicos.
-Tabela salarial única.
- Revisão do sistema de suplementos.
- Revisão abrangente de todos os sistemas de pensões.
 Independentemente das saídas cautelares ou incautas saídas, o FMI e os restantes membros da troika farão uma monitorização cerrada dos desenvolvimentos das políticas públicas em Portugal,DN. Isto até 2042, altura em que segundo eles ficará liquidado o empréstimo português. A Troica quer também baixar salários no privado.
A dívida está mais do que visto, tem uma natureza de classe e está ao serviço de uma classe para espezinhar outra e dominá-la. A dívida portuguesa é ilegítima e odiosa.
“ O pagamento da dívida pública é, simultaneamente, o pretexto para impor a austeridade e um poderoso mecanismo de transferência dos rendimentos dos debaixo para os de cima (dos 99% em benefício do 1%): A luta para quebrar este círculo infernal da dívida é vital. “ Pág.. 125.
Damien Millet e Eric Toussante in A Crise da Dívida. Auditar. Anular. Alternativa Política, temas e debates (Círculo de leitores)
À luz do direito internacional, na esteira de Alexander Nahum Sack  (em 1927 foi um dos primeiros a teorizar sobre as dívidas odiosas). Há três critérios para definir uma dívida odiosa:
- Ausência de consentimento: a dívida foi contraída contra a vontade do povo;
- Ausência de benefício: os fundos foram despendidos de uma forma contrária aos interesses da população;
- Conhecimento, por parte dos credores, das intenções do solicitante do empréstimo.
Os portugueses não autorizaram a dívida, estão cada vez mais pobres, emigram mais, há mais desemprego, há menos qualidade de vida para a maior parte da população, os dinheiros da dívida vão parar à banca, servem para pagar juros de uma dívida impagável, o país não tem moeda própria. Se o povo não é consultado, nas “idas ao mercado”, nem sobre o que lá se compra, nem para quê. Se a troica, O FMI e o BCE sabem de tudo isto, podemos afirmar (de novo) com Damien Millet e Eric Toussante :
“ As dívidas contraídas pela Grécia, Irlanda e Portugal no quadro dos acordos assinados com a União Europeia e o FMI preenchem os três critérios que permitem classificá-las como “dívidas odiosas “. No plano jurídico, são nulas e não têm de ser pagas”. Pág.. 153

A Crise da Dívida. Auditar. Anular. Alternativa Política, temas e debates (Círculo de leitores) 
Comprovada a natureza de classe da dívida pública portuguesa, reconhecidamente, ao serviço de uma austeridade que se abate sobre os direitos e condições dos trabalhadores portugueses, atacando e ferindo de morte a nossa soberania enquanto país independente, espanta-me e dói-me a inépcia de partidos que, reclamando-se de esquerda, colocam em relação a esta matéria a reivindicação de “reestruturação da dívida”. Apresentando aliás tal medida como algo progressista e avançado. Discordo totalmente de tal visão, de estratégia tão limitada e redutora de quem se diz defender o país, os trabalhadores e o povo em geral, mas, ainda assim, persiste em deixar pagar (mais), desde que seja por mais tempo, aqueles que nada beneficiaram nem beneficiarão das idas aos mercados.  

1 comentário:

  1. Caro Luís
    Mais um artigo inteligente, mais uma pedrada que dás neste charco de acalmia que incomoda...
    Grande abraço e obrigado.

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