domingo, 7 de setembro de 2014

Como ser feliz na escola.Parte 1 de 2

Foto : L.Sérgio
Voltar à escola !
Voltar à escola, mas voltar ao quê, com quê e para quê?
Será que ainda vale a pena?
Ainda sou professor, ainda há professores, na velha e justa definição daquele que ensina, que abre caminhos e é referência? Mas que posso fazer?
Nos últimos dias, com o aproximar de mais um ano lectivo, conversei demoradamente com alguns amigos sobre “esse lugar abandonado e sem dono” a que eufemisticamente continuamos a chamar escola.“ A escola é um paraíso perdido, uma miragem inacessível, perigosa e triturada por interesses avessos ao saber e à cultura.” Esta é hoje a minha definição de escola e,  para espanto de alguns dos meus companheiros de tertúlia de café, foi isto que defendi quando nos encontrávamos. Um dia destes, com tempo, com mais tempo e espaço, deixarei aqui algumas palavras em defesa da minha tese. O que me interessa para hoje não é isso, adianto apenas que tal concepção de escola ancora na sociedade e no poder reinante que domesticou e subjugou pela economia as maneiras de pensar e actuar. Tal como o poder mais geral, do  ministério que deveria ser da educação tem saído tirania, opressão e incultura. Os últimos ministros, sobretudo, “Milú” e “Incrato” cumpriram e este último cumpre, exemplarmente, diga-se de passagem, todo um programa de transformação da Escola Pública Portuguesa num grande espaço de subjugação e acefalia.Com toda a legislação publicada nos últimos anos, nas nossas escolas liquidou-se todo e qualquer espaço de autonomia, livre decisão e  independência, seja no aspecto pedagógico, administrativo ou financeiro. Tudo está prescrito, normalizado, formatado e robotizado, pegue-se, por exemplo, nas normas de vigilância de exames impostas às escolas, nas homilias que acompanham a sua divulgação e no acto em si e conclui-se que o professor foi rebaixado à condição de cão de guarda. Para as Milús e para os Incratos deste país a condição de professor é a de mero “Robô” programado e obediente, por isso, quanto mais desempregados e contratados houver , melhor, mais se assegura e acentua a obediência cega e calada. Que o “Incrato” dava um bom ministro de Salazar já todos percebemos, tivesse ele nascido uns anos mais cedo e “Outro galo cantaria”,  o seu ar seráfico e as falinhas mansas de prestidigitador fariam dele escolha certa e certeira para amanuense do António de Oliveira. De qualquer modo, pela a sua dedicação à causa dos grandes interesses financeiros, ainda vai a tempo de ser canonizado. Chegados aqui, vai sendo tempo de tentar responder às perguntas inicias, são estas que me interessam, é a condição e o papel do professor na escola actual que me interessa, por agora.
Vale a pena? Na verdade penso que vale a pena, um dos meus companheiros diria, “nem que seja para sobreviver.”
 Temos que fazer mais que sobreviver. É esta a  minha tese. “Jogar” para sobreviver é perder, é fácil, é barato  e dá serventuários do poder sem carácter e sem ideias, sem criatividade e sem capacidade para a competência, para a vida. É preciso experimentar o novo, o belo, e tudo o que de melhor há na cultura e no saber, nem que para isso tenhamos de enfrentar o poder, os poderes e as suas tenebrosas ramificações, não é fácil, mas o contrário é recusar-se a uma vida digna. O professor tem de sair da fila, deve ousar e ser capaz de pensar e agir diferente. O livre pensamento e cidadania praticam-se não se apregoam.Como pode um professor de literatura ensinar novas formas de interpretar e compreender se se limitar a aplicar a  aceitar como justas interpretações prescritas por outros. Como ensinar liberdade de ler se o professor for modelo de subjugação e mero papagaio de outros. E isto aplica-se a todas as disciplinas.
            O mal da condição do professor, nos tempos que correm, radica sobretudo na incapacidade de muitos docentes perceberem qual o seu papel na escola, aceitam, alguns por incapacidade, outros medo, outros/outras ,por pura sabujice e necessidade de palco para as suas nefastas fogueiras de vaidades, com as quais preenchem o vazio mental e das suas vidas, agir como zombies, sem qualquer vislumbre de ideal pessoal ou colectivo. É triste, muito triste, por estes dias observar a forma como se comportam algumas doninhas fedorentas, a vilaneza dos sem carácter é o seu lema de vida. Tais “coisas” servem todos os poderes, por mais antagónicos que eles sejam. Das “enguias” que vou conhecendo e dos males que fazem à educação falarei um dia destes. Com tempo, com oportunidade e estratégia certa conseguiremos exterminar algumas.
            Para voltar à escola em sossego e em estado de graça, a primeira coisa que o professor precisa de conhecer, para assumir conscientemente o seu papel, é que na escola não há lugar à neutralidade (aliás isso nunca foi possível), por mais que lhe custe, que nos custe, é preciso tomar posição, sair do conforto do ”ver onde param as coisas”, esta posição destrói tudo o que se almeja como ideais de escola.
Hoje, mais do que nunca, estão em confronto duas concepções de escola e duas concepções de professor: de um lado a escola dos grandes interesses financeiros privados e do outro a escola pública e democrática, que se quer e  se deseja de qualidade. Cada uma destas frentes tem a sua ideia de professor, para a primeira, a dominante, o professor não faz falta, é preciso abatê-lo, é um elemento perigoso porque pensa e pode ensinar a pensar. O seu ideal de professor é então um não-professor, basta-lhe um simples e medíocre funcionário, nem precisa de ser público, que de forma rotineira e obediente  transmita fielmente tudo o prescrito nas mil e umas normas, programas, manuais, grelhas e grelhados que o macrocéfalo MEC  obedecendo à classe que serve vai congeminando. É a escola do professor neutro (ou que se julga como tal) do acéfalo, do não-professor formatado à medida, com prazo  e a prazo. A outra aspira por alguém completamente diferente, deseja um professor capaz de pensar por si próprio, reflexivo, com vida própria, uma pessoa com afectos e sentimentos, capaz de ensinar a pensar, a reflectir, a olhar para vida privilegiando o elemento humano e todas as formas de valorização das pessoas que “moram nos alunos”.
Ora se o professor não quer ou não poder ser neutro deve saber a que escola regressa e o que pode e deve fazer nela, e pode muito se quiser e tiver engenho e arte para tanto.
  Chegado aqui, o PROFESSOR já sabe, o que tem a sorte de saber, a que Escola regressa. Se não há lugar à neutralidade, à abstenção, resta-lhe escolher o seu próprio caminho. Escolher e fazer o próprio caminho parece-me condição necessária e indispensável para um  regresso à escola sem medos e sem angústias. Muitas vezes, escolher e desbravar novos caminhos, não é nada fácil, ousar mudar de direcção quando o rebanho sem tugir nem mugir segue ordeiramente pode trazer-nos grandes dissabores, causar invejas e trazer adversidades que não esperávamos, mas, o prazer de manter o carácter e a honestidade intelectual lutando firmemente é muito superior a todas as baixezas da manada.
 ( Continua )

2 comentários:

  1. Como sempre, para além de bem escrito, uma boa reflexão!

    Um texto que me fez lembrar aquele filme "O clube dos poetas mortos" e o recém falecido Robin Williams! E, acima de tudo, ao regressarmos à escola, "carpe diem"...

    Mas o que eles pretendem é exterminar os professores, aqueles professores que não são neutros e que procuram "escolher e desbravar novos caminhos". Porque para cada caminho que se escolhe e se desbrava eles cada vez mais colocam nesses caminhos escolhos, espinhos, armadilhas... Mas, sim, para além de sobrevivermos, resistiremos!!!

    A Suécia também entregou as suas escolas a grandes empresas e agora vê-se o resultado.

    Vamos sobrevivendo, vamos resistindo Luís Sérgio. O prazer de manter o carácter e a honestidade intelectual é o que nos dá razão para sobrevivermos e resistirmos. A dignidade não tem preço... ou talvez tenha e estejamos dispostos a pagar por ela!

    Grande abraço!!!

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