terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O CUIDADO E OS LIMITES !


Limites !

O cuidado para com os outros, a culpa depressiva e a necessidade que cada vez mais os professores têm de estabelecer limites de trabalho, de responsabilidade, de horários e de cuidado para com os outros, se não se estabelecerem limites claros ao que podem ou não fazer, ou que devem ou não suportar a escravização está aí e a culpa depressiva destruirá muitos deles. Os “trolleys” que muitos carregam diariamente para a escola são sinais claros de um complexo de culpa, dos medos de faltar alguma coisa, uma pasta já não dá, duas são insuficientes, as escolas, a grande maioria estão mal equipadas, por isso, profissional que se preze tem de carregar com computador, livros, pastas, papéis, agrafadores, etc., etc., porque se alguma coisa falta numa aula é doloroso. São as armadilhas da profissão, as muitas armadilhas que é preciso destruir. Temos de resistir, precisamos de dizer não, é urgente, mas muito urgente, abandonar o lado messiânico do sacrifício pessoal, que só mascara a situação e nos prejudica. Exijamos melhores condições, nós damos os recursos humanos, “damos o corpo às balas”, a entidade patronal, a escola, o ME deve fornecer as ferramentas. Só que vamos cedendo e, um dia destes, não podemos mais. Pretendemos, queremos, ser profissionais excelentes, recusamos tornar-nos em formiguinhas exploradas e sem vida própria, robôs manietados e amestrados. E, para começar, recusemos a forma absurda e tenebrosa com que se estão a utilizar as novas tecnologias, incomodando-nos a qualquer hora, a cada instante sem qualquer respeito pelo descanso e pelo lazer necessários e de direito, mais do que nunca é preciso dizer BASTA! Por mim, já decidi, tudo o que vier fora dos dias e das horas normais de trabalho vai parar à lixeira. Aliás, sobre a forma errada como estão a ser utilizadas as novas tecnologias nas escolas, prometo um dia destes escrever um post, para já e por enquanto fica o desabafo. A propósito da culpa que os professores não têm mas pensam ter e que vai dando inúmeros esgotamentos, vejamos o que escreveu Hargreaves :
“ Os sacos e as pastas transportadas pelos professores, as pilhas de trabalho que carregam entre a casa e a escola, para a eventualidade de poderem conseguir dispor de alguns momentos em que possam classificar alguns trabalhos ou preparar alguns testes, para depois voltarem à escola com a maior parte deles por classificar – tendo de os carregar de novo para casa no dia seguinte e no outro, e assim por diante -, são os pesos simbólicos da culpa que os professores transportam consigo, para onde quer que vão. Quanto maiores os sacos, maior a culpa! Um dos casos mais preocupantes que conheço é o de um professor que tem tantos sacos que teve de pedir um maior emprestado, para pôr todos os outros lá dentro! Deixar algum trabalho por fazer é deixar de cuidar e, consequentemente, deixar de atender às necessidades e interesses dos alunos. Para os professores esta é uma decisão muito difícil de tomar.”
HARGREAVES, Andy
, OS PROFESSORES EM TEMPOS DE MUDANÇA, O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna.
Substituam sacos por “trolleys”… É por estas e por outras que entendo que faz todo o sentido que o horário de trabalho do professor seja de 30 horas e não as actuais 35. Reivindiquemos desde já um horário de 30 horas, não é justo que quem tanto trabalho realiza fora da escola tenha um horário de secretaria. REIVINDIQUEMOS, pois, quem cala consente!

10 comentários:

  1. É como muito bem dizes: os trolleys que inundam a sala de professores são reflexo da assumpção de um pretenso complexo de culpa. Culpa de quê? De se alegar que não mudámos a sociedade? ...ai de quem pensar que o ensino (que muitos confundem com educação) poderá mudar a sociedade! ...sobretudo quando a política que o norteia é EXACTAMENTE uma política virada contra o ensino e contra a sociedade. É uma política que visa transformar a escola pública em ATL, enquanto as escolas privadas -as com currículos disciplinares e exigência- recebem os filhos de elites e até de muitos que o preferem apesar dos enormes sacrifícios que fazem. Que o digam muitos dos nossos colegas!!!

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  2. É oportuno este "post" do Luís Sérgio, e é sobretudo muito oportuna a reivindicação da diminuição do horário semanal de trabalho dos professores de 35 para 30 horas. Trata-se de uma reivindicação da mais elementar justiça e correcção em termos das características do trabalho dos professores, e trata-se ainda de uma exigência que permite unir toda a classe docente contra as políticas educativas do Governo. Para além disso, a reivindicação do horário semanal de 30 horas possibilita também o estabelecimento de uma "ponte" importante entre a luta dos professores e a luta da população trabalhadora em geral por melhores condições de trabalho, se - e este "se" é importante - os professores souberem reconhecer que esta exigência é também da mais elementar justiça e correcção para todas as demais profissões.
    Lateralizando um pouco: Este "post" do Luís Sérgio tem um indiscutível fundamento "prático", porque a situação que descreve é de facto aquela que se vive presentemente no quotidiano dos professores. Já quanto ao fundamento "teórico" do mesmo (as concepções de Andy Hargreaves), tenho sobre o mesmo fundadas reservas. Assim que possa, procurarei explicar esta minha posição.
    Um abraço ao Sérgio!

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  3. Sérgio !

    Mais um post oportuno a denunciar uma situação cada vez mais grave, de facto, temos que começar quanto antes, a pôr cobro a esta situação, precisamos de fixar os limites. A ideia das 30 horas semanais, concordo em absoluto e é um bom momento para começar tal reivindicação. Não sei seriamente se os sindicatos andam a pensar nestas coisas ou a brincar às negociações. O colega optimista tem razão na análise que faz sobre a reivindicação das 30h, sobre o Hargreaves não me pronuncio, não conheço o seu trabalho, independentemente disso, o teu post está excelente. Força companheiro e amigo continua assim.

    Grande abraço,
    Filipe

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  4. Caro Optimista !

    Bem-vindo ao blog.
    É muito interessante e pertinente a análise sobre a reivindicação das 30h semanais. Concordo em absoluto.
    Quanto ao Andy Hargreaves, também tenho reservas
    a algumas das suas concepções, mas sobre a análise que faz da culpa dos professores parece-me correcta, o erro são as hipóteses que aponta como soluções.

    Abraço,

    Luís Sérgio

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  5. Luís Sérgio !

    Muito curiosa esta análise, verdadeira, eu própria ando de trolley, nunca tinha visto a situação nestes termos, infelizmente é a realidade.
    O Luís tem razão, temos de fazer alguma coisa para parar esta ofensa diária.

    Bj,

    Anabela M.

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  6. Viva, Sérgio,

    Cá estou, como prometi, a dizer alguma coisa sobre as concepções de Andy Hargreaves. Não conheço em profundidade o seu trabalho teórico, e provavelmente, noutras circunstâncias, não discorreria sobre as suas posições antes de as conhecer com mais detalhe. Mas em tempo de guerra não se limpam armas, e parece-me que há certas questões básicas sobre as quais devemos debater e procurar compreender. Porque a "economia" dos blogues não autoriza textos muito longos, referir-me-ei apenas a um tema, deixando eventualmente para depois, se nisso se manifestar interesse, o tratamento de outros.
    No livro que citas, o AH parte de um pressuposto a meu ver errado, que é o de considerar que os "ventos de mudança" nas escolas são os mesmos que existem nas empresas e nas sociedades em geral, os quais o autor engloba numa teoria geral de passagem de uma sociedade "moderna" para uma sociedade "pós-moderna". Ainda segundo essa perspectiva, as escolas (sobretudo as secundárias, que são as privilegiadas na sua análise) funcionam hoje segundo regras e mecanismos que são idênticos às das empresas "antiquadas", e deverão passar a funcionar segundo outras regras empresariais, agora "pós-modernas", por pouco definidas que estejam ainda essas regras. Embora AH não equipare explicitamente o conceito de "modernidade" ao conceito de "capitalismo", é óbvio que o primeiro, se se tomarem como base princípios e sistemas de organização industrial e empresarial, como o autor faz no seu livro, pode ser assimilado seguramente ao segundo.
    Ora, se se aceitar esta teoria, perde-se de vista aquele que constitui, em meu entender, o principal traço identificativo dos actuais "ventos de mudança" nos sistemas educativos, a saber: a tentativa de imposição, a esses sistemas e às escolas, de uma lógica capitalista "clássica" de organização e funcionamento (pesem embora as especificidades próprias da realidade educativa). De facto, se embarcarmos nos esquemas de raciocínio de AH, ficaremos privados da possibilidade de analisar as actuais transformações que os poderes instituídos, a começar pelo Governo de Sócrates, pretendem promover na educação pública.
    Hoje, com a experiência que já existe de políticas educativas conduzidas no mesmo sentido e com os mesmos propósitos do que ocorre em Portugal, já se pode perceber que a crítica mais radical do funcionamento das escolas, parte normalmente dos que advogam a instituição nestas da mesma lógica de organização empresarial que existe nos sectores mais "dinâmicos" e "avançados" da economia capitalista actual. As críticas de AH à escola actual, ao quotidiano dos professores, etc., inscrevem-se, na minha opinião, num radicalismo deste tipo, o qual é, parece-me, a todos os títulos reaccionário.
    Se nós travarmos a nossa luta de professores apenas ao som das críticas ao funcionamento actual das escolas e não olharmos mais longe, para os caminhos que se desenham de alternativa ao mesmo, seremos como actores cegos num jogo controlado por outros. Em meu entender, esses caminhos de alternativa são essencialmente dois: o primeiro, é o actual processo de transformação capitalista da actividade educativa, que assenta numa concepção profundamente desumanizante do trabalho no meio escolar, devendo por isso ser firmemente rejeitado e combatido; e, o segundo, é uma transformação educativa assente no estabelecimento de uma relação estreita entre a educação e o trabalho, tendo por base uma teoria e uma prática de humanização e de libertação deste último da lógica capitalista em que actualmente está encerrado. Ora, o grande desafio (e a grande dificuldade) da presente luta dos professores portugueses é conseguir travar os combates quotidianos e imediatos sem perder de vista aquele confronto fundamental de caminhos alternativos.
    Sérgio, agradeço a atenção e o espaço que me proporcionas e peço desculpa pela extensão deste comentário.

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  7. Os "trolleys" e o complexo de culpa. Talvez, Luís Sérgio! Embora te diga que ao carregar o meu "trolley", carrego muitas vezes um mundo que gostaria que fosse o meu. Meu e dos meus alunos! Um mundo que, se perfeito, teria as condições mínimas para eu e eles podermos partilhar o que de mais importante pode acontecer entre nós, que é a vontade de estarmos juntos, de os descobrir, de aprender(em) e crescer(em). Falo sobretudo de coisas como um espaço físico (e esse eu não posso carregar no meu "trolley"!) que permita esse encontro com os meus alunos, com os seus pais, com os meus colegas, e não de rasgos de recantos pejados de gente, ruído e mal-estar, por onde vou saltitando como pássaro catando migalhas, para além de todos os materiais de trabalho "especiais" (enfim, coisas que jamais caberão num "trolley"!). Falo também do sentimento de colaboração espontâneo e natural, fruto da vontade de projectar o futuro em conjunto, em encontros informais, quase imperceptíveis, breves, mas frequentes. Vontade esta revestida de um caráter imprevisível, dinâmico e voluntarioso, pois somos nós professores que exercemos discernimento e controlo sobre o que nos propomos desenvolver. Mas este, Luís Sérgio, é um sentimento que cada vez mais se ausenta do nosso circo (desculpa, pretendia dizer círculo!). Ao contrário, impõe-se agora a colegialidade artificial, obrigando-nos, com dia e hora marcada, a trabalhar juntos, a cumprir ordens e a mudar... com toda a perversidade que os resultados frequentemente revelam. E assim, sim, Luís Sérgio, tens razão, carrego a minha culpa, uma culpa sem tamanho que tento camuflar num pequeno "trolley"! E carrego também, ultimamente quase sempre, infelizmente, o desalento, o desânimo, a "desvontade" (se me permites), a zanga e o desejo secreto de "embalar a trouxa e zarpar". Desculpem-me tu e todos os teus seguidores, pois hoje não consigo vislumbrar uma réstia de optimismo. A zanga é demasiado grande para o meu pequeno "trolley"!

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  8. Cara Guida !

    Como eu te compreendo.Na verdade o que pretendi com o post foi denunciar toda a situação que nos impoê o carregar dos "trolleys", que obriga a carregar uma culpa que não é nossa e, cada vez mais, como muito bem dizes nos deixa com o : " desejo secreto de embalar a trouxa e zarpar". São muitos infelizmente os colegas que estão a verbalizar este desejo.
    Referes um aspecto extremamente importante, a merecer a meu ver uma cuidada atenção e reflexão de todos os que se preocupam com a profissão docente que é essa "lâmina demolidora" a que chamas "colegialidade artificial".

    Obrigado pelo teu contributo,
    Bj,

    Luís Sérgio

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  9. Do Óscar Martins via E-mail :

    Caro Luís Sérgio,
    É bem verdade !
    Mas estas coisas não são “vistas” pela Tutela.
    Apenas “é visto” o que aos interesses do ME respeita, segundo a sua agenda política.
    Vamos ver se as coisas mudam ...
    Um abraço,
    Óscar

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  10. Reivindiquemos porque

    Tu sabes,
    conheces melhor do que eu
    a velha história.

    Na primeira noite eles se aproximam
    e roubam uma flor
    do nosso jardim.

    E não dizemos nada.

    Na segunda noite,
    já não se escondem:
    pisam as flores,
    matam nosso cão,
    e não dizemos nada.

    Até que um dia,
    o mais frágil deles
    entra sozinho em nossa casa,
    rouba-nos a luz, e,
    conhecendo nosso medo,
    arranca-nos a voz da garganta.

    E já não podemos dizer nada.



    Como diria
    Eduardo Alves da Costa
    in “No caminho com Maiakóvski”,
    São Paulo, Ed. Círculo do Livro, 1988.

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