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Foto : L.Sérgio |
Voltar à
escola !
Voltar à escola, mas voltar
ao quê, com quê e para quê?
Será que ainda vale a pena?
Ainda sou professor, ainda
há professores, na velha e justa definição daquele que ensina, que abre
caminhos e é referência? Mas que posso fazer?
Nos últimos dias, com o
aproximar de mais um ano lectivo, conversei demoradamente com alguns amigos
sobre “esse lugar abandonado e sem dono” a que eufemisticamente continuamos a
chamar escola.“ A escola é um paraíso perdido, uma miragem inacessível,
perigosa e triturada por interesses avessos ao saber e à cultura.” Esta é hoje
a minha definição de escola e, para
espanto de alguns dos meus companheiros de tertúlia de café, foi isto que
defendi quando nos encontrávamos. Um dia destes, com tempo, com mais tempo e
espaço, deixarei aqui algumas palavras em defesa da minha tese. O que me
interessa para hoje não é isso, adianto apenas que tal concepção de escola
ancora na sociedade e no poder reinante que domesticou e subjugou pela economia
as maneiras de pensar e actuar. Tal como o poder mais geral, do ministério que deveria ser da educação tem
saído tirania, opressão e incultura. Os últimos ministros, sobretudo, “Milú” e
“Incrato” cumpriram e este último cumpre, exemplarmente, diga-se de passagem,
todo um programa de transformação da Escola Pública Portuguesa num grande espaço
de subjugação e acefalia.Com toda a legislação publicada nos últimos anos, nas
nossas escolas liquidou-se todo e qualquer espaço de autonomia, livre decisão
e independência, seja no aspecto pedagógico,
administrativo ou financeiro. Tudo está prescrito, normalizado, formatado e
robotizado, pegue-se, por exemplo, nas normas de vigilância de exames impostas
às escolas, nas homilias que acompanham a sua divulgação e no acto em si e
conclui-se que o professor foi rebaixado à condição de cão de guarda. Para as
Milús e para os Incratos deste país a condição de professor é a de mero “Robô”
programado e obediente, por isso, quanto mais desempregados e contratados
houver , melhor, mais se assegura e acentua a obediência cega e calada. Que o
“Incrato” dava um bom ministro de Salazar já todos percebemos, tivesse ele
nascido uns anos mais cedo e “Outro galo cantaria”, o seu ar seráfico e as falinhas mansas de
prestidigitador fariam dele escolha certa e certeira para amanuense do António
de Oliveira. De qualquer modo, pela a sua dedicação à causa dos grandes
interesses financeiros, ainda vai a tempo de ser canonizado. Chegados aqui, vai
sendo tempo de tentar responder às perguntas inicias, são estas que me
interessam, é a condição e o papel do professor na escola actual que me
interessa, por agora.
Vale a pena? Na verdade
penso que vale a pena, um dos meus companheiros diria, “nem que seja para
sobreviver.”
Temos que fazer mais que sobreviver. É esta a minha tese. “Jogar” para sobreviver é perder,
é fácil, é barato e dá serventuários do
poder sem carácter e sem ideias, sem criatividade e sem capacidade para a
competência, para a vida. É preciso experimentar o novo, o belo, e tudo o que
de melhor há na cultura e no saber, nem que para isso tenhamos de enfrentar o
poder, os poderes e as suas tenebrosas ramificações, não é fácil, mas o
contrário é recusar-se a uma vida digna. O professor tem de sair da fila, deve
ousar e ser capaz de pensar e agir diferente. O livre pensamento e cidadania
praticam-se não se apregoam.Como pode um professor de literatura ensinar novas
formas de interpretar e compreender se se limitar a aplicar a aceitar como justas interpretações prescritas
por outros. Como ensinar liberdade de ler se o professor for modelo de
subjugação e mero papagaio de outros. E isto aplica-se a todas as disciplinas.
O mal da condição do professor, nos tempos que correm,
radica sobretudo na incapacidade de muitos docentes perceberem qual o seu papel
na escola, aceitam, alguns por incapacidade, outros medo, outros/outras ,por
pura sabujice e necessidade de palco para as suas nefastas fogueiras de
vaidades, com as quais preenchem o vazio mental e das suas vidas, agir como
zombies, sem qualquer vislumbre de ideal pessoal ou colectivo. É triste, muito
triste, por estes dias observar a forma como se comportam algumas doninhas
fedorentas, a vilaneza dos sem carácter é o seu lema de vida. Tais “coisas”
servem todos os poderes, por mais antagónicos que eles sejam. Das “enguias” que
vou conhecendo e dos males que fazem à educação falarei um dia destes. Com
tempo, com oportunidade e estratégia certa conseguiremos exterminar algumas.
Para voltar à escola em sossego e em estado de graça, a
primeira coisa que o professor precisa de conhecer, para assumir
conscientemente o seu papel, é que na escola não há lugar à neutralidade (aliás
isso nunca foi possível), por mais que lhe custe, que nos custe, é preciso
tomar posição, sair do conforto do ”ver onde param as coisas”, esta posição
destrói tudo o que se almeja como ideais de escola.
Hoje, mais do que nunca,
estão em confronto duas concepções de escola e duas concepções de professor: de
um lado a escola dos grandes interesses financeiros privados e do outro a
escola pública e democrática, que se quer e
se deseja de qualidade. Cada uma destas frentes tem a sua ideia de
professor, para a primeira, a dominante, o professor não faz falta, é preciso
abatê-lo, é um elemento perigoso porque pensa e pode ensinar a pensar. O seu
ideal de professor é então um não-professor, basta-lhe um simples e medíocre funcionário,
nem precisa de ser público, que de forma rotineira e obediente transmita fielmente tudo o prescrito nas mil
e umas normas, programas, manuais, grelhas e grelhados que o macrocéfalo
MEC obedecendo à classe que serve vai
congeminando. É a escola do professor neutro (ou que se julga como tal) do
acéfalo, do não-professor formatado à medida, com prazo e a prazo. A outra aspira por alguém
completamente diferente, deseja um professor capaz de pensar por si próprio,
reflexivo, com vida própria, uma pessoa com afectos e sentimentos, capaz de
ensinar a pensar, a reflectir, a olhar para vida privilegiando o elemento
humano e todas as formas de valorização das pessoas que “moram nos alunos”.
Ora se o professor não
quer ou não poder ser neutro deve saber a que escola regressa e o que pode e
deve fazer nela, e pode muito se quiser e tiver engenho e arte para tanto.
Chegado aqui, o PROFESSOR já sabe, o que tem a sorte de
saber, a que Escola regressa. Se não há lugar à neutralidade, à abstenção,
resta-lhe escolher o seu próprio caminho. Escolher e fazer o próprio caminho
parece-me condição necessária e indispensável para um regresso à escola sem medos e sem angústias.
Muitas vezes, escolher e desbravar novos caminhos, não é nada fácil, ousar
mudar de direcção quando o rebanho sem tugir nem mugir segue ordeiramente pode
trazer-nos grandes dissabores, causar invejas e trazer adversidades que não
esperávamos, mas, o prazer de manter o carácter e a honestidade intelectual
lutando firmemente é muito superior a todas as baixezas da manada.